segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Incompletamente e breve estória

Queria contar uma estória. Uma estória breve. Eternamente breve e incompleta.

Era uma vez, que assim costumam começar as estórias, palavras feitas agulha de bússola ou porto de abrigo. Andava eu navegando cansado, buscando a estrela que já do firmamento tinha partido, quando desemboquei naquelas letras escritas algures no tempo. Não eram sinais vulgares mas escritos com a forma ténue dos afectos.

Segui-lhes o rumo, algures num qualquer Novembro, enquanto o inverno tecia seus dias frios e a chuva teimava em lavar a natureza. Dia após dia lhes segui as pegadas. Primeiro, a medo, que as palavras são seres fugidios, frágeis, sempre prontas a trocar-nos as voltas ao mínimo sinal de desvelo ou descuidado. Depois, fui-lhes ganhando o gosto e a confiança e aprendi a trocar com elas experiencias, risos e lágrimas. Com elas fui descobrindo novas areias e reencontrando as ondas que me levariam ao porto prometido. Não por elas, mas traçado pelo destino, feito agua e sal, que inundava o firmamento do olhos.

Um final de tarde, naquele crepúsculo que veste de gala os instantes eternos, desemboquei na cratera do vulcão de onde brotavam torrentes de lava em forma de letras. Não era já suficiente saber que existiam, ouvir-lhes o som rebentando nas areias como ondas de prata, não bastava olhar a lua e as estrelas sabendo que eram os astros, os únicos pontos que nos uniam. Tinha de lhes conhecer o olhar e sentir a pele, o estremecer dos músculos, que as palavras também têm corpo. O corpo com a forma de quem as guarda e, guardando pare, não raras vezes, com pranto e sangue.

Simples, de sorriso fácil, tremula. Seguramente tremula e de olhar feito planície em dia quente de Verão, perdido em súplica inconsciente, de quem pede um abraço. Tinha a singela forma de uma ninfa a cor do alabastro e nos cabelos as mesmas cinzas onde tantas vezes haveria de renascer e amortalhar. Ali estava, perante mim, encontrada e perdida. Assim era!

Desde esse dia percorremos juntos caminhos. Uns áridos, outros de escolhos e de madressilvas e flores silvestres, guiados quase sempre pelas mesmas palavras que trocámos. No mesmo instante em que nos encontramos…e nos amordaçamos.