segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Dia de Semana

Luis chegou a casa naquele fim de tarde cinzento, cor do aço que lhe atravessava o peito e lhe gelava a alma e os pés (todos sabemos quão os pés podem ser o termómetro das entranhas e mistérios mais profundos). Trazia consigo o silencio de mil pensamentos que o acompanhavam no seu caminho do escritório. Já não era ele que conduzia o carro, sentia que este já conhecia os sulcos da estrada como a vidente conhece as linhas do destino nas palmas da mão. Simplesmente ia, unicamente chegava num misto de desejo e cansaço. Aquele abraço sonhado que quase sempre tardava, aquela boca de sabor a mel onde certificava todas as suas hesitações. Encontrou-a passando a ferro como quem endireita os caminhos da vida. O cão, eterno amigo e fiel leitor dos espíritos, deu-lhe as boas noites como quem lhe oferece e pede o reconhecimento da irmandade.
Olhou-a nos olhos naquele fim de tarde pedindo um afecto, um silêncio no olhar que lhe sepultasse as duvidas. Aqueles olhos que, tantas vezes o tinham confortado e compreendido, aqueles olhos doces que sabiam mais da sua alma que ele próprio. Pediu com o silêncio oferecido somente o calor do seu corpo e a certeza da sua própria humanidade.
Ela olho-o e sorriu como o mar que quebrava perto, nas areias da sua praia onde tantas confissões tinham sido partilhadas em momentos de fim de tarde. Nada mais requeria que aquele lar reconstruído. Faltavam-lhe, contudo, as palavras.
Queria saber dizer-lhe o que lhe ia no peito. A paixão que lhe comandava o respirar, aquele imenso desejo de se libertar na prisão do seu corpo. Queria saber gritar o que o seu peito transbordava, mas faltava-lhe a gramática limitada no ilimitado sentimento.
Dizem que o amor é louco e cego, mas ele sentia-se lúcido e de boa saúde. Permitia-se as loucuras que esperava mas não sabia pedir. Queria sentir-se vivo mas não bebia dos lábios a fonte santa da juventude. Sabia que sabia mas ela negava-lhe a vida em sobressalto.
Pegou no seu leal amigo de todas as horas, deu-lhe um abraço como se fosse o ultimo da vida e partiu para o diário passeio, onde revelaria ao cão dela as palavras que por medo lhe negava, na vã esperança que ele, numa lambidela lhe revelasse.

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