segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Uma carta...talvez

Olha,

Apetecia-me escrever-te mas foge-me a inspiração entre as palavras. Se assim é não deveria ter esta vontade mas, como sabes, nem sempre sou fácil de entender. Talvez por isso me auscultes a alma com esse teu olhar calmo de criança.

Se tivesse inspirado tentaria em vão escrever-te um poema sem rima, que para rima já basta o bater conjunto do nosso respirar quando o silencio toma conta do espaço, como que em respeito pelo amor que fazemos pela noite. Mas não sou poeta e as palavras não me saem ritmadas. Saem em espasmos de paixão borrando o papel. Alem disso não estou inspirado.

Se me inspirasse, talvez te contasse uma estória de uma menina e um menino, que antes de se tornarem, mulher e homem, obrigatoriamente como todos, andavam pelos campos roubando fruta em tardes de Verão. Falar-te-ia dos seus passeios pelas praias vendo as rochas e descobrindo cousas do corpo e do mar. Nas poças salgadas deixadas pelas ondas onde, de tanto se beijarem, salgaram a propria alma.

Contar-te-ia os tempos ocultos de espera tidos nos dias passados na ausência um do outro, e como um dia se retornaram e se olharam e reconheceram ainda crianças. Mas, de facto, não estou nada inspirado.

Sinto dentro de mim este vazio que não deixa fluir as palavras, os verbos e advérbios e tudo aquilo que usamos para comunicar o incomunicável, o simplesmente sentido. Mas se não se comunica, como podemos saber se é sentido? Porque só sentimos na medida em que nos damos e a nós retornamos feito eco. Sinto em mim este vazio de te querer escrever e não estar inspirado.

Não que tu não sejas, por si só, fonte de inspiração, não! Nada disso! Eu, é que, olhando-te, em pensamento, repouso em ti de tal modo que, de mim se escondem todos os modos de escrevinhar. Contemplo-te o olhar e os cabelos que me lembram as tardes á beira mar e, depois, sinto novamente o cheiro a maresia das ondas que rebentam na praia levantando a espuma. E assim me quedo contornando-te as formas do teu corpo vestido de seda.

Mas não, nada disso, hoje não estou inspirado, há dias assim! Nada a fazer!

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